segunda-feira, 18 de maio de 2009

As faces do desejo

No começo, a curiosidade. Cada pessoa na rua corporificava uma espécie viva diferente, com suas reentrâncias e saliências, gestos e expressões que carregavam uma multiplicidade de significados difusos. Ainda não se notava a rigidez dos rituais que delineariam mais tarde as paisagens do mundo.
Um dia qualquer ele se surpreende com a invasão de milhões de autômatos sem face reproduzindo tarefas periódicas. Correu para o espelho mais próximo. Deparou-se com a imagem de um alienígena disforme. Era aterrador. Estava sozinho num planeta improvável.
Então veio a fome. Irrascional. Passava incontáveis horas à espreita, rastreando qualquer presa potencial. Nenhuma delas pacificava seus instintos. Era incapaz de compaixão. Devoraria o viço da última das carnes.
Travou batalhas sanguinolentas em suas caçadas. Cada cicatriz de seu corpo aperfeiçoava suas técnicas de combate e domesticava seus medos.
Refugiado numa caverna sombria, pensou ouvir uma voz suave e acolhedora. Encontrara alguém que conhecia sua língua materna ou estava simplesmente delirando?
Sonhou brevemente com uma vida sem sobressaltos. Até quando teria forças para alimentar-se sozinho?
Perguntou o nome da voz que lhe chegava. A resposta foi a última lembrança antes de seu fim.

7 comentários:

  1. nossa.. que louco..
    precisarei ler os textos anteriores para compreender do que se trata?
    fiquei curiosa...

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  2. Oi, Sandra!
    Eu namoro uma escrita que está mais para um exercicío de abstração, mesmo...você completa as lacunas com o que te vem à cabeça. Já leu os contos de "A máquina de ser", do João Gilberto Noll? Tô me amarrando, mas não entendo metade do que se passa (apesar de boa parte dos contos não ocuparem mais de 3 páginas! rs)
    abração e volte sempre!

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  3. Eu acho que finalmente você encontrou o que fazer do seu tempo. Textos muito bons.
    Gostei do seu comment no blog da Sandra e vim ver o do que tratava o seu.
    Li tudo e gostei. Tem um porção de caos no que você escreve que eu gosto muito.

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  4. Vi no seu blog que o tempo também é uma constante no seu pensamento. Ele parece imensamente cruel, mas daí a gente resolve falar sobre ele e se ve compartilhando coisas incríveis que estavam lá todo o tempo...só a gente que não via.
    Vlw pela visita. Seja bem-vinda e fique à vontade.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Eu li seus arquivos (ok não são muitos) e fiquei com aquela sensação de filme já visto. Ou de filme já vivido. Porque teve uma época que eu tinha uma renda limitada e nem precisaria fazer nada pra viver. Mas não era legal acordar numa segunda feira onze da manhã e pensar que enquanto o mundo estava produzindo qualquer merda que fosse, eu estava ali, podendo fazer qualquer coisa, mas não fazendo nada na verdade. Me deprimia aquele leque imenso de opções de coisas a se fazer e que não eram feitas. Por preguiça, incompetência ou whatever.
    Então minha resposta para pergunta do seu primeiro post é bem simples: não sei e nunca soube. Espero que você encontre a resposta.

    (o comentário excluído era meu, estava logada com um perfil de blog velho, nhé.)

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  7. a desconexão é real e inerente. nunca soube ao certo se já estive conectada à essa realidade, ou se me adaptei para entender como língua materna as frases soltas que me rodeiam.

    a única coisa que estanca a monotonia da rotina (não planejada por mim), é a possibilidade de acreditar que posso desentender-me sempre. quem sabe eu me reconstruo em uma essência menos previsível?

    nunca li a "máquina do ser" e acho que preciso.

    bom te ler,

    ladybug.

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