Lembrou-se de ter ouvido alguém dizer que a diferença entre um remédio e um veneno estava na dose. Dita de forma prosaica, a frase soara-lhe de uma poesia profunda e arrancava-lhe agora um discreto sorriso. Fora transportado de súbito para a infância, quando extraía desde muito cedo todo o afeto de que carecia da devoção suprema ao conhecimento.
---Fumar causa câncer. O cheiro é desagradável. Por que diabos alguém compra cigarros?
Preservar a própria vida, ao contrário do instinto de sobrevivência nos animais, deveria ser uma prova da racionalidade humana. Ou o principal indicador da sanidade de um indivíduo.
Até que num dia como outro qualquer sua bela, jovem e saudável esposa vai ao dentista fazer um tratamento de canal. Tão logo a broca atinge seu alvo, uma rara bactéria é liberada na corrente sanguínea e provoca um ataque cardíaco letal quase instantâneo.
Mas cada minuto de vida é precioso. Existem tantas metas a serem batidas, novos desafios, quem sabe mesmo amores.
Não, a ideia de um destino pré-determinado não encontrava apelo em Antonio. Os livros enfileirados lado a lado nas incontáveis prateleiras da biblioteca não cansavam de repetir-lhe as diferentes crenças alimentadas pelo homem de acordo com sua época.
Tampouco era a felicidade do indivíduo medida por seu tempo de vida. Caso assim fosse, toda criança nasceria infeliz e os velhos morreriam explodindo de insustentável alegria.
Claro, cada um teria sua resposta para o mistério da vida.
Ele acreditava na dose. E foi pensando nela que virou dois dedos a mais antes de deitar-se.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Corpo estranho
Deram uma intensificada nos meus treinos de natação e num dia desses, quando menos esperava, encontrei o corpo de um cara gostoso e metido a besta me encarando no espelho.
O telefone toca. É uma amiga há muito desaparecida convidando para um show de uma ótima orquestra de música latina na Lapa.
Estava não muito empolgado, mas o tal corpo trabalhado logo veio me atentar:---Para com isso, vamos dar uma volta.
---OK. Lá vamos nós. Mas dessa vez não passo nem perto de bebida! Chega dessa brincadeira de explorar semi-consciente os insólitos seres que povoam a escuridão.
Não contava com o fato de que minha amiga é que ficaria derrotada no primeiro copo de uma caipirinha mais que vagabunda caprichada na cachaça 51...
Falei com o corpo: ---Essa noite promete. Além de você, me atormentando com sua lascívia hedonista, ainda vou ter de carregar outro corpo pra cima e pra baixo...mas amigo é pra essas coisas!
Minha amiga resolve de súbito levar seu corpo inerte para casa e me abandona de vez. Olha que o show propriamente dito nem havia começado.
Restou-me ouvir o corpo ardente dizendo: ---Nem pense em ir embora! Fica aí, cara... Você não vive se prometendo que vai passar a sair mais sozinho? Deixe de ser bundão...Aproveita que tô aqui contigo. Quer companhia melhor que a minha?
O problema é que também ciceroneava o sóbrio, que em tudo repara e se entedia em átimos de segundo. E o tal corpo infernal não nos dava sossego.
Todos ao redor fumavam sua maconha e requebravam os quadris como si fuera una harmoniosa comunidad celebrando a primeira colheita do ano em noite de lua cheia.
Ai, deus! Que falta a bebida faz. Será que suportamos esta provação?
Quieto num canto, sou alvejado pelo mais bizarro dos seres possíveis. O corpo falastrão logo se adianta: ---Nem repare. Somos muita areia pra esse caminhãozinho.
Resolvi dar uma volta. Sabia que dali a pouco, tocasse a música que fosse, o sóbrio ia ceder lugar ao mal-humorado para não mais voltar.
Deparo-me por coincidência com o ser que a essa altura mandara qualquer resquício de discrição às favas.
Nesse momento, o corpo de Adonis, o sóbrio e o mal-humorado instauram uma conferência para debater a audácia da criatura em questão.
Deixei eles se entretendo uns aos outros e resolvi me apresentar.
---Oi. Você me conhece de algum lugar?
---De vista. Você também não é ator? Te vi numa festa de uma galera do teatro.
Independentemente das opiniões do corpo de Adonis, do sóbrio e do mal-humorado, fora os outros mais que acaso surgissem e resolvessem dar sua contribuição; tenho paciência nula para artistas em geral.
Despretenciosamente, a criatura me diz: Vai fazer algo no sábado? Podemos ir a alguma exposição...
A partir dali, não sei a quem dei ouvidos...Mesmo tendo deixado o bêbado trancafiado em casa.
Só sei que compartilhei com todos eles a dose cavalar de carinho que recebi e que nem suspeitava mais encontrar. Ainda mais naquelas circunstâncias e de forma tão gratuita e espontânea.
Justo quando estava convencido de que me bastaria estar acompanhado do corpo de Adonis.
O telefone toca. É uma amiga há muito desaparecida convidando para um show de uma ótima orquestra de música latina na Lapa.
Estava não muito empolgado, mas o tal corpo trabalhado logo veio me atentar:---Para com isso, vamos dar uma volta.
---OK. Lá vamos nós. Mas dessa vez não passo nem perto de bebida! Chega dessa brincadeira de explorar semi-consciente os insólitos seres que povoam a escuridão.
Não contava com o fato de que minha amiga é que ficaria derrotada no primeiro copo de uma caipirinha mais que vagabunda caprichada na cachaça 51...
Falei com o corpo: ---Essa noite promete. Além de você, me atormentando com sua lascívia hedonista, ainda vou ter de carregar outro corpo pra cima e pra baixo...mas amigo é pra essas coisas!
Minha amiga resolve de súbito levar seu corpo inerte para casa e me abandona de vez. Olha que o show propriamente dito nem havia começado.
Restou-me ouvir o corpo ardente dizendo: ---Nem pense em ir embora! Fica aí, cara... Você não vive se prometendo que vai passar a sair mais sozinho? Deixe de ser bundão...Aproveita que tô aqui contigo. Quer companhia melhor que a minha?
O problema é que também ciceroneava o sóbrio, que em tudo repara e se entedia em átimos de segundo. E o tal corpo infernal não nos dava sossego.
Todos ao redor fumavam sua maconha e requebravam os quadris como si fuera una harmoniosa comunidad celebrando a primeira colheita do ano em noite de lua cheia.
Ai, deus! Que falta a bebida faz. Será que suportamos esta provação?
Quieto num canto, sou alvejado pelo mais bizarro dos seres possíveis. O corpo falastrão logo se adianta: ---Nem repare. Somos muita areia pra esse caminhãozinho.
Resolvi dar uma volta. Sabia que dali a pouco, tocasse a música que fosse, o sóbrio ia ceder lugar ao mal-humorado para não mais voltar.
Deparo-me por coincidência com o ser que a essa altura mandara qualquer resquício de discrição às favas.
Nesse momento, o corpo de Adonis, o sóbrio e o mal-humorado instauram uma conferência para debater a audácia da criatura em questão.
Deixei eles se entretendo uns aos outros e resolvi me apresentar.
---Oi. Você me conhece de algum lugar?
---De vista. Você também não é ator? Te vi numa festa de uma galera do teatro.
Independentemente das opiniões do corpo de Adonis, do sóbrio e do mal-humorado, fora os outros mais que acaso surgissem e resolvessem dar sua contribuição; tenho paciência nula para artistas em geral.
Despretenciosamente, a criatura me diz: Vai fazer algo no sábado? Podemos ir a alguma exposição...
A partir dali, não sei a quem dei ouvidos...Mesmo tendo deixado o bêbado trancafiado em casa.
Só sei que compartilhei com todos eles a dose cavalar de carinho que recebi e que nem suspeitava mais encontrar. Ainda mais naquelas circunstâncias e de forma tão gratuita e espontânea.
Justo quando estava convencido de que me bastaria estar acompanhado do corpo de Adonis.
sexta-feira, 5 de junho de 2009
foi mal, rimei...
Eu moro aqui, onde todos veneramos a praia, o chinelo, a malemolência, o chopp, o bronzeado.
É também a hollywood tupiniquim, a meca de nossos aspirantes ao estrelato.
Só que hoje minha vaidade meio que desceu pelo ralo.
Acordei o mais ordinário dos homens. O mais cordato dos escravos.
Pertenço a estas pairagens, sim, mas não estou mais aqui, de fato.
Talvez eu perca minha valiosa cidadania de uma vez por todas.
É possível amar humildemente, ser feliz no anonimato?
É também a hollywood tupiniquim, a meca de nossos aspirantes ao estrelato.
Só que hoje minha vaidade meio que desceu pelo ralo.
Acordei o mais ordinário dos homens. O mais cordato dos escravos.
Pertenço a estas pairagens, sim, mas não estou mais aqui, de fato.
Talvez eu perca minha valiosa cidadania de uma vez por todas.
É possível amar humildemente, ser feliz no anonimato?
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