quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Mi casa, su casa.

Na cozinha, procurou a faca ideal. Difícil tarefa. Numa casa com não mais que meia dúzia de pratos e umas poucas panelas jamais usadas, a escolha de um talher digno de cortar sua própria carne não é imediata. Um dia se perguntara qual seria a sensação da tomada da decisão. Coração batendo acelerado como um ator numa estreia? Nó na garganta, daqueles de criança sendo obrigada a engolir o choro?

Sentia tranquilidade. Era a paz da certeza, da impossibilidade de se voltar atrás.

Pensou em trocar a faca por uma gilete. As únicas lâminas que tinha em casa eram do aparelho de barbear rosa que usava para se depilar. Riu consigo mesma. Melhor assim. Não gostava de giletes. Imagina a situação: você está prestes a dar fim a sua existência e, segundos antes, acaba ferindo os dedos e soltando um ---PUTA QUE O PARIU! com toda raiva, enquanto chupa o sangue que brota.

Vamos logo com isso, afinal de contas, não planejei nenhum ritual prolongado. Tem que ser no piloto automático. Corta-se os pulsos, bebe-se uns tranquilizantes junto com uma garrafa de vinho, deita-se na banheira com água bem quente e pronto! E eu aqui, preocupada em achar uma porcaria de uma faca...

Alô? Gustavo? (O que será que ele quer justo agora??)
Se eu tenho planos pra hoje? Humm...mais ou menos, por que?
Festa na casa de uns amigos de amigos em Santa Teresa? Cara...sei lá.

---- Pô, não pensa muito, vamos Ju! Tô passando aí agora pra te pegar, não quero nem saber! Põe qualquer roupa que em 5 minutos tô tocando teu interfone.

Isso só pode ser piada. É humanamente impossível tirar a própria vida sendo obrigada a argumentar trivialidades antes com um amigo.

---Pô, Gustavo maneira essa casa. Explica direito quem tá dando essa festa que não entendi nada.

---Ju, não conheço bem essa galera, não. Sei que três meninas e dois caras racham o aluguel, cada um é de um estado. A Cris Plotkowsky é do Sul e faz mestrado em psicologia. Ela tá comemorando a qualificação que rolou hoje. A Cris Laffer é de Brasília. Em dois dias ela viaja pra Austrália com bolsa. O Ricardo é do Recife, trabalha com artes plásticas. A Manu parece que é tradutora e faz cenário numas peças. Se não me engano é mineira. O Eduardo faz especialização em oncologia, um lance com pesquisa em laboratório. Depois você pergunta de onde ele é.

---Essa vista da varanda é incrível, né?
---Com certeza. Eles deram uma puta sorte em descolar essa casa. Deve ser por isso que vivem dando festa.
---Sério? Os vizinho devem ficar loucos.

Um dos convivas escuta e entra no papo.
---Que nada. As velhinhas do andar debaixo visitam parentes todo fim de semana e só voltam na segunda.

---Ju, essa é a Cris Plotkowsky.
---Prazer, Ju. Adorei seu vestido.
---Prazer, Cris. Tô paixonada pela sua casa.

---Então aproveita a festa. Vou pegar teu email pra gente manter contato, volta e meia rola uma reuniãozinha da galera aqui. Deixa eu te apresentar pro resto do pessoal. Você mora com quem?

---Sozinha, num apê de um tio na Gávea.

---E você curte? Nessa vida de estudante nômade, me acostumei a viver rodeada de tudo quanto é gente. Nem sei mais se aguentaria viver sozinha.

---Até hoje eu pensei que aguentasse bem.

Um comentário:

  1. Por que sempre aparece uma festa no dia que a gente resolve se matar? É incrível...
    Quando eu era adolescente planejei me jogar da janela do meu apartamento na véspera do meu aniversário, na hora e dia marcados, meus amigos inventam de fazer uma festa surpresa pra mim e eu que estava triste de morrer fiquei feliz e esqueci do meu plano fatal. Depois eu entendi que não queria morrer, de fato, apesar de pensar que seria uma ótima solução, morrer uma vez ou outra... rsrs
    Lembrei disso, quando li o seu texto e ri muito.

    Termino com o Drummond que diz: 'a vida para mim é vontade de morrer'. Demais! Dizer isso é como morrer um pouco... ahhhhhhh! rsrs

    Ah, quanto às férias, agora, vai demorar um pouco, viu?

    Abração, Herdeiro!

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